A trajetória de uma das mais ricas personalidades da vida social e política do país, percorrendo episódios históricos - como a Insurreição de 1935, a luta pela anistia e a fundação do Partido dos Trabalhadores, além da Guerra Civil espanhola e a Resistência francesa contra a ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial .
Voluntário das Brigadas Internacionais da Guerra Civil Espanhola e coronel da Resistência contra o nazismo alemão na França, Apolônio de Carvalho foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores no início da década de 1980.
As lutas trouxeram reconhecimento a Apolônio. Por ter sido voluntário nas Brigadas Internacionais da Guerra Civil Espanhola, nas quais combateu de 1937 a 1939, ganhou a cidadania espanhola, em 1996, e participou, como convidado, das homenagens que o governo daquele país prestou aos brigadistas, na passagem dos 60 anos da guerra. Na França, foi coronel da Resistência na luta contra o nazismo (comandou ações em Marselha, Lyon, Nîmes e Toulouse) na 2ª Guerra Mundial, recebeu a Cruz de Guerra e o grau de Cavaleiro da Legião de Honra. Na Resistência, conheceu a militante comunista Renée, com quem se casou e teve dois filhos, René-Louis e Raul.
Renée de Carvalho, esposa de Apolônio. Filha de comunistas franceses, Renée participou da Resistência contra a ocupação nazista trabalhando como agente de ligação. Sua irmã e tia foram deportadas para campos de concentração na Alemanha.
René-Louis e Raul de Carvalho, ambos filhos de Apolônio. Nascido na França durante a Segunda Guerra Mundial, Rene-Louis em 1968 se engajou na luta armada contra a ditadura militar. Foi preso e exilado no Chile, onde ficou detido no Estádio Nacional, e, posteriormente, na França. Raul, junto com o pai e o irmão, também fez parte da resistência armada em 1968. Ficou preso três anos no presídio de Ilha Grande.
Um pouco mais sobre Apolônio de Carvalho
Apolônio de Carvalho nasceu em Corumbá, em 1912. Neto de camponeses, filho de operário que conseguiu romper a barreira de classe ao seguir a carreira militar, teve na própria família a iniciação para a vida solidária. Segundo Apolônio, o pai, Cândido Pinto de Carvalho Júnior, contava com orgulho ter sido autor de um manifesto de repúdio à ameaça de bombardeio por parte da Inglaterra, a potência colonialista da época, contra Valparaíso e Valdívia, cidades portuárias do Chile. No documento, ele e um grupo de cadetes ofereciam-se para combater ao lado de seus colegas da Escola Militar de Santiago, em defesa da independência e da soberania do país latino-americano ameaçado.
Outro exemplo veio do irmão mais velho, Deusdédit, que fugiu de casa, em 1914, com um grupo de colegas do ginásio, rumo a Paris, onde pretendia engajar-se na resistência à invasão da França pelas tropas alemãs, no início da Primeira Guerra Mundial.
Caminho que, na década seguinte, começaria a ser trilhado pelo próprio Apolônio, já então oficial do Exército brasileiro. O convívio na caserna com a esquerda militar leva-o a engajar-se na ANL – Aliança Libertadora Nacional, que combatia a ditadura Vargas. Em 1935, é preso e expulso do Exército. Na cadeia, toma contato com a teoria marxista, nos cursos ministrados pelos militantes do PCB – Partido Comunista Brasileiro.
Libertado em 1937, entra para o partido, parte para a Espanha, engaja-se nas Brigadas Internacionais que combatem ao lado das forças republicanas contra os fascistas, numa das mais cruentas guerras civis da História. Tenente da artilharia, vive a fraternidade do front, aquela que, segundo Hannah Arendt, “tem seu lugar natural entre os reprimidos e perseguidos, os explorados e humilhados, que o século XVIII chamava de infelizes, les malheureux, e o século XIX de miseráveis, les misérables”.
Ao lado de operários e camponeses espanhóis, militantes socialistas, anarquistas e comunistas vindos de todos os cantos do mundo, Apolônio apreende o significado de um internacionalismo focado na solidariedade e no compromisso com o ser humano. Participa de dezenas de batalhas, testemunha o heroísmo e a energia criativa com que os trabalhadores espanhóis sustentam um combate desigual contra as forças fascistas, apoiadas militarmente pela Alemanha e pela Itália, diante do olhar passivo das potências democráticas européias.
Vê, impotente, a frente republicana romper-se, dilacerada pelo sectarismo de suas lideranças políticas, sob a influência da União Soviética e do stalinismo. E experimenta a derrota, a retirada apressada em direção à fronteira, a rendição humilhante, o internamento num campo de concentração francês. É de lá que vê o início da Segunda Guerra, percebendo-o como um prolongamento lógico da batalha perdida na Espanha. Foge para Marselha e engaja-se na Resistência Francesa.
Conhece Renée, filha de militantes operários. Ganha uma companheira para a luta e para a vida. Logo nasce René-Louis, o primeiro filho. Formam uma família, que roda o país na mais dura clandestinidade. Junto com os partisans, combatem as tropas nazistas de ocupação e seus aliados do governo de Vichy com todos os meios de que são capazes de mobilizar, corpo a corpo, olho no olho. Ao final da guerra, exibem com orgulho as patentes de oficiais das Forças Francesas do Interior.
Ainda na França, retoma o contato com o PCB, através do artista plástico Cândido Portinari. É chamado de volta ao Brasil. Embarca em 47, junto com René-Louis e Renée, grávida do segundo filho, Raul. Torna-se dirigente da União da Juventude Comunista. Vive, ao lado de Renée e os dois filhos, um breve período de militância em liberdade. Meses depois da chegada, o governo Dutra consegue arrancar da Justiça a decretação da ilegalidade do partido. É a volta à rotina de perseguições e clandestinidade.
O golpe de 64. A derrota sem luta. Na manhã de 1.o de abril, quando o levante militar já era uma realidade, Apolônio participa de uma reunião do comitê central do PCB. Um chamado à greve geral articulada pela CGT e a confiança no esquema militar de Jango são as únicas respostas oferecidas pelo partido. Apolônio volta para casa na hora do almoço. Comunica à família a decisão partidária de “esperar”. E espanta-se com a reação dos dois filhos, então estudantes universitários.
- Você vai esperar. Nós não. Amanhã, ao meio-dia, os estudantes se encontrarão na Cinelândia. Tudo está planejado.
Os filhos contam que terão armas e apoio dos fuzileiros navais comandados pelo almirante Aragão. Sairão da Cinelândia para atacar o Palácio Guanabara, sede do governo do Rio de Janeiro. Apolônio e Renée reagem como pais. Certamente, pais nada rotineiros, previsíveis. Mas o impulso é o de defender a cria.
No dia seguinte, a manifestação dos estudantes é reprimida a bala. Nem armas, nem fuzileiros navais. Para defendê-la e garantir a dispersão em segurança, lá estavam apenas Apolônio e alguns antigos colegas de farda por ele arregimentados, com suas próprias armas. Retirado de lá por um dirigente partidário, ele, Renée e os filhos iniciam um novo mergulho na clandestinidade.
Apolônio lidera a criação de uma nova organização política, o PCBR – Partido Comunista Brasileiro Revolucionário. E a exemplo de milhares de militantes, embarca na trágica aventura militarista do final dos anos sessenta.
No dia 13 de janeiro de 1970, o caminho da luta armada chega ao fim para Apolônio. Violando os princípios básicos de segurança que aprendera ao longo de duas guerras e algumas décadas de militância clandestina, ele vai até a casa de um companheiro que deixara de comparecer a sucessivos pontos de encontro. É capturado por agentes da repressão política que lá o aguardavam e levado ao quartel da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro.
No dia 17 de junho, parte para a Argélia, junto com outros 39 companheiros, trocados pelo embaixador da Alemanha, sequestrado por um comando guerrilheiro. Renée junta-se a ele tempos depois, quando o filho Raul e sua mulher Isabel deixam a prisão no Brasil. Seguem para a França.
No fim dos anos 1970, com a retomada das lutas sociais e a conquista da anistia, Apolônio e Renée voltam ao Brasil. Direto para as trincheiras. Participam da criação do Partido dos Trabalhadores, do qual Apolônio foi dirigente até 1987, quando sentiu faltar a energia necessária para enfrentar a dura rotina da militância.
Em novembro de 1996, Apolônio e Renée são convidados a visitar a Espanha democrática, sessenta anos depois do início da Guerra Civil entre republicanos e fascistas. Por iniciativa dos partidos de esquerda, o parlamento resolvera conceder cidadania espanhola aos 374 remanescentes das Brigadas Internacionais. Era a realização da promessa de Dolores Ibarruri, La Pasionaria, por ocasião da retirada dos voluntários das frentes de batalha: “Não os esqueceremos. E quando a oliveira da paz florescer, voltem. A Espanha será sempre a sua pátria.”
Como militante do Partidos dos Trabalhadores, é um orgulho ter um cidadão como Apolonio de Carvalho, como um dos nossos fundadores.
ResponderExcluirMuito bom o texto!!!